14,75%: o juro mais alto dos últimos 19 anos
O Federal Reserve (Fed) manteve os juros no intervalo de 4,25% a 4,50% ao ano, enquanto o Banco Central do Brasil elevou a Selic para 14,75% ao ano, o maior patamar desde outubro de 2006.
Nesta Super Quarta, dia em que os bancos centrais de Brasil e Estados Unidos decidem os rumos da política monetária de cada país, as autoridades reafirmaram o que os mercados já intuíam, mas com recados importantes nas entrelinhas.
O Federal Reserve (Fed) manteve os juros no intervalo de 4,25% a 4,50% ao ano, enquanto o Banco Central do Brasil elevou a Selic para 14,75% ao ano, o maior patamar desde outubro de 2006.
As decisões evidenciam uma assimetria crescente entre o ciclo de política monetária no Brasil e no mundo desenvolvido e jogam luz sobre o dilema enfrentado por economias emergentes em um cenário global complexo.
Fed: conforto em meio à incerteza
O comunicado do Federal Reserve foi sóbrio.
A autoridade monetária reconhece que a atividade econômica segue em ritmo sólido, com um mercado de trabalho ainda robusto e inflação “um pouco elevada”.
A taxa de desemprego continua estável em patamares baixos, e não há, neste momento, sinais de superaquecimento grave — tampouco de colapso.
A decisão de manter os juros inalterados reforça a percepção de que o Fed está em modo “wait and see”.
A autoridade monetária sabe que o atual patamar de juros já é suficientemente restritivo (ou seja, alto), e que seus efeitos ainda estão sendo transmitidos à economia com defasagem.
Ao afirmar que os riscos aumentaram para ambos os lados do seu mandato (crescimento e inflação), o comitê sinaliza que não há direção clara no curto prazo.
Isso justifica o tom mais neutro: nem pistas de corte iminente, nem sinais de aperto adicional.
A leitura que prevalece é a de que o cenário base ainda comporta dois cortes de 25 pontos-base no segundo semestre, provavelmente em setembro e dezembro.
Essa postura reflete uma compreensão sofisticada da incerteza: o Fed sabe que decisões apressadas podem comprometer o objetivo de longo prazo.
O atual “nível de conforto” permite à instituição observar a evolução dos indicadores sem agir reativamente.
(Uma nota didática importante para os meus dois leitores: em política monetária, a “defasagem” é o tempo entre a decisão de juros e seu impacto pleno sobre inflação, consumo e investimento. Essa defasagem pode variar de 6 a 18 meses, o que exige cautela na calibragem dos movimentos do banco central.)
Copom: cautela virou ação
Se o Fed pode esperar, o Banco Central do Brasil decidiu agir. O Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a Selic de 14,25% para 14,75% ao ano, justificando a decisão com base em “pressões inflacionárias persistentes, expectativas desancoradas e um cenário externo adverso”.
A medida foi significativa não apenas pelo movimento em si, mas pelo tom do comunicado.
A projeção do próprio Banco Central para o IPCA em 2026 (horizonte relevante de política monetária) é de 3,6%, ainda acima da meta de 3,0%.
A pesquisa Focus (consenso entre várias instituições financeiras), por sua vez, mostra expectativas ainda piores: 5,5% para 2025 e 4,5% para 2026.
O risco maior, segundo o Copom, é a desancoragem persistente das expectativas, o que exige resposta firme para evitar efeitos de segunda ordem.
(Outra nota didática: expectativas desancoradas é quando agentes econômicos ajustam as expectativas de inflação futura cada vez mais longe da meta de inflação. O trabalho do BC com os juros e seus comunicados é fazer com que o mercado acredite que a inflação futura vai convergir para a meta, do contrário, pode alimentar um ciclo vicioso de indexação de preços e perda de credibilidade da autoridade monetária.)
Pressões múltiplas: o risco externo também conta
Além do cenário doméstico pressionado, o Copom apontou um ambiente externo adverso, com destaque para os riscos da política comercial dos EUA e seus reflexos sobre cadeias produtivas, preços de commodities e volatilidade financeira.
A guerra tarifária latente traz incerteza tanto para a atividade quanto para a inflação globais.
Para o Brasil, isso significa maior vulnerabilidade. Países emergentes como o nosso estão mais expostos a choques externos, tanto pela via cambial quanto pela sensibilidade das expectativas de mercado.
O BC foi claro: o ambiente atual exige uma política monetária “significativamente contracionista por período prolongado”.
Em outras palavras, não se trata de um movimento isolado — a porta está aberta para novos aumentos ou, ao menos, uma manutenção longa em patamares elevados.
Um aperto mais intenso do que parte do mercado projetava
Até poucos dias antes da reunião, parte do mercado acreditava que o Copom elevaria apenas 25 pontos base dados os últimos discursos mais brandos dos membros do colegiado.
A alta de 50 pontos-base foi, portanto, uma surpresa parcial, sinalizando uma preocupação maior com o desequilíbrio entre política fiscal expansionista e meta de inflação.
Embora o comunicado tenha reafirmado o compromisso com a estabilidade de preços, o BC também tocou no ponto-chave da política fiscal, indicando que o comportamento do governo tem afetado os preços de ativos e as expectativas dos agentes.
Para fins didáticos, quando a política fiscal é expansionista (aumento de gastos ou déficits maiores), ela pode gerar pressão inflacionária adicional, exigindo uma resposta mais dura da política monetária para preservar a estabilidade de preços.
O que esperar daqui pra frente?
O Copom avisou que o estágio avançado do ciclo de aperto exige cautela e flexibilidade, reconhecendo que os impactos das decisões passadas ainda não se materializaram plenamente.
Mas o fato é que, com inflação ainda elevada e expectativas fora da meta, a barra para iniciar um ciclo de corte ficou ainda mais alta.
Se tivermos mais uma alta em junho, deveremos ver o primeiro corte somente em dezembro, ou, possivelmente o BC irá estacionar nessa taxa de 14,75% ao ano até o resto de 2025.
A taxa de juros real ex-ante (Selic descontada da inflação esperada para os próximos 12 meses) agora ultrapassa os 8% ao ano, um dos maiores diferenciais do mundo.
Isso tende a manter o real valorizado, o crédito mais caro e o crescimento sob pressão.
No curto prazo, o recado é claro: a política monetária será dura e persistente até que a convergência da inflação esteja assegurada, nas palavras da própria entidade.
Não há mais espaço para complacência.
Considerações finais
A Super Quarta de maio de 2025 deixou duas mensagens distintas, mas complementares.
Nos EUA, o Fed encontra-se em um ponto de equilíbrio, com espaço para observar.
No Brasil, o BC decidiu endurecer o jogo, pressionado por um cenário interno mais instável e uma política fiscal que compromete a ancoragem das expectativas.
Para o investidor, o momento pede atenção redobrada à composição do portfólio.
Com Selic em 14,75%, o custo de oportunidade de investir em ativos de risco aumenta.
Mas também é nesses momentos que surgem descontos relevantes nos mercados de renda variável, especialmente para quem sabe separar o ruído da tendência estrutural.
Renda fixa ou bolsa? O tempo dirá quem vai pagar mais daqui para frente.
Um beijo no coração de cada um de vocês. E como é lindo o prédio do nosso BC. Se você leu até aqui, comente “belo prédio”.
Belo prédio e um fim de ano estacionado em 14%. Abs.
Belo prédio e muito boa a explanação. Obrigada!