A independência dos bancos centrais: porque voltaremos a falar disso em 2025?
Discutir a importância da independência dos bancos centrais não é um elitismo tecnocrático, mas proteger "acordo institucional" entre sociedade e governo que blinda a economia da volatilidade política
Nas democracias contemporâneas, poucas instituições exercem um papel tão decisivo sobre os rumos de um país quanto o banco central.
Responsável por definir a taxa de juros e controlar a inflação, o banco central atua como guardião da estabilidade da moeda de um país.
E, para que essa função seja cumprida com ênfase técnica e não política, sua independência operacional é considerada um requisito fundamental.
Sob a ótica da teoria econômica neoclássica moderna, essa independência é defendida como uma maneira de evitar o problema da inconsistência temporal, conceito explorado por Kydland e Prescott e posteriormente trabalhado por autores como Kenneth Rogoff.
A ideia central é que, se os governos controlarem a política monetária, podem ceder à tentação de estimular a economia artificialmente em anos eleitorais, gerando inflação no médio prazo sem ganhos sustentáveis de produto.
Não por acaso, vimos Bolsonaro, Lula e Trump apelando ao Banco Central por uma queda nas taxas.
Todo político quer ver a economia crescendo.
O ex-presidente do Banco Central brasileiro, Armínio Fraga, foi enfático ao defender a independência da autoridade monetária como uma proteção contra o oportunismo de curto prazo.
Para ele, trata-se de um "acordo institucional" entre sociedade e governo que blinda a economia da volatilidade política.
Pérsio Arida, outro economista de referência no Brasil, destaca que a previsibilidade das ações do banco central reduz o risco-país, diminui prêmios de risco e promove um ambiente favorável ao investimento privado.
Essas ideias se materializam em um corpo de evidências empíricas.
Em seu influente paper de 1993, Central Bank Independence and Macroeconomic Performance: Some Comparative Evidence, Alberto Alesina e Lawrence Summers demonstraram que países com bancos centrais mais independentes tendem a registrar inflação média mais baixa sem prejuízo ao crescimento econômico.
Da mesma forma, o trabalho teórico de Rogoff mostra que delegar a política monetária a uma autoridade mais avessa à inflação do que a média do governo é uma solução de compromisso eficiente para maximizar o bem-estar no longo prazo.
Contudo, a ascensão do populismo, tanto à esquerda quanto à direita, tem colocado essa independência sob pressão.
No caso dos Estados Unidos, a postura de Donald Trump à frente da presidência foi um dos exemplos mais preocupantes de interferência política direta na condução da política monetária.
Desde sua campanha até sua tentativa de reeleição, Trump atacou publicamente o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, por não cortar juros na intensidade desejada.
Trump chegou a chamar Powell de "Senhor Tarde Demais" e afirmou que "a demissão não pode chegar rápido o suficiente", num gesto que chocou analistas e investidores.
Embora legalmente a demissão do presidente do Fed exija justa causa, a mera cogitação da destituição do chairman por discordâncias de política monetária foi vista como um atentado à institucionalidade.
Como apontam Goodhart e Lastra em 2017, no seu paper Populism and Central Bank Independence, a estabilidade do sistema financeiro depende não apenas de mandatos claros, mas de mecanismos efetivos para "proteger os guardiões da estabilidade monetária".
A presidente do BCE, Christine Lagarde, chegou a comentar publicamente sua preocupação com a postura de Trump, dizendo esperar que o presidente americano não interferisse na liderança do Fed.
Sua fala, mais do que diplomática, foi uma defesa contundente da ordem monetária global.
Em contraponto à tentativa de politização do Fed, é importante observar que até mesmo em países emergentes, como o Brasil, a independência do banco central tem sido respeitada.
Nomeado por um governo com visão heterodoxa, o atual diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, tem adotado postura técnica, reforçando a credibilidade da instituição.
Apesar de sua origem política associada a uma linha de pensamento questionadora da própria autonomia do BC, Galípolo tem se mostrado um defensor da estabilidade e da comunicação clara com os mercados, alinhado à visão de que a política monetária deve ser conduzida com base em dados, não em pressões ideológicas.
A ex-presidente do Fed, Janet Yellen, também reiterava frequentemente a importância da autonomia do banco central para assegurar estabilidade de preços e pleno emprego.
Em seus discursos, Yellen reforçava que decisões monetárias têm efeitos defasados e que, por isso, devem ser protegidas de incentivos eleitorais imediatistas.
O risco de uma autoridade monetária capturada é duplo: primeiro, por comprometer a ancoragem das expectativas inflacionárias; segundo, por aumentar os prêmios de risco exigidos pelos mercados, elevando os custos de financiamento da dívida.
Como apontam diversos estudos empíricos, inclusive os sistematizados por Goodhart, a tentativa de governos de controlar o banco central acaba resultando em juros mais altos, crescimento menor e inflação mais volátil.
A independência não significa isolamento ou falta de accountability.
Como defendem Lastra e outros juristas, o banco central deve prestar contas à sociedade através do Parlamento, com transparência, metas claras e mandatos bem definidos.
A autonomia refere-se ao uso dos instrumentos monetários, não à ausência de responsividade ou controle institucional.
Em um mundo cada vez mais polarizado, onde o populismo se fortalece e a ciência é posta em xeque, defender a independência dos bancos centrais é proteger a racionalidade econômica contra impulsos de curto prazo.
No fundo, trata-se de garantir que a política monetária continue sendo uma ponte de estabilidade em um mar de incertezas.
Sejamos claros: não se trata de elitismo tecnocrático.
Trata-se de um compromisso institucional com a prosperidade coletiva.
Como disse certa vez Armínio Fraga: "Se você coloca um pânico eleitoral dentro do comitê de política monetária, você está pedindo por juros mais altos, mais voláteis, mais inflação, menos crescimento e mais pobreza".
O Brasil, com todos os seus desafios, tem uma experiência que pode inspirar: em meio a governos de diferentes espectros ideológicos, o Banco Central conseguiu preservar sua função técnica.
A aprovação da autonomia formal da instituição em 2021 foi um passo importante, mas a verdadeira independência é cotidiana e cultural.
Ela depende da capacidade de resistir à pressão, da maturidade do debate público e do compromisso das lideranças com a estabilidade de longo prazo.
Diante do avanço de discursos que tentam submeter o conhecimento técnico à lógica eleitoral, é papel de todos os economistas, formuladores de política e cidadãos atentos defender a independência do banco central como um valor fundamental para o bom funcionamento da democracia e da economia, tomando cuidado, ao mesmo tempo para não tornar o assunto um elitismo tecnocrático que deixa a população alheia ao debate, a fim de que a instituição cumpra a sua função da estabilidade da moeda dentro de um Estado Democrático de Direito.
Um beijo no coração de cada um de vocês.