Juros longos por mais tempo
O Compromisso do Copom com a meta de inflação: como o BC justifica tecnicamente a Selic a 15% e descarta qualquer corte no horizonte próximo
Semana passada falei sobre o comunicado do Copom que optou por elevar a Selic em 0,25 ponto, para 15% ao ano.
Hoje, um dia após a divulgação da ata, em que o Copom justifica tecnicamente e mais detalhadamente a decisão, eu me aprofundar um pouco mais sobre o tema e tentarei “traduzir” para os meus dois leitores mais assíduos o que o colegiados quis dizer nas suas colocações da ata.
Basicamente, a decisão não foi apenas técnica, mas simbólica. O Banco Central mandou um recado para o Executivo e para o Congresso: o país precisa reencontrar seu eixo de responsabilidade fiscal.
A inflação não caiu o suficiente, as expectativas, ainda que mais baixas, seguem desancoradas e a combinação entre atividade forte, câmbio volátil e estímulos fiscais excessivos impede qualquer suavização da política monetária.
Em outras palavras, o BC ainda está sendo forçado a fazer o trabalho sujo.
Vamos entender, com calma e profundidade, os pontos-chave da ata. Primeiro, trouxe os tópicos mais importantes da ata, retirei um trecho e, por último, tendo “traduzir” isso para os leitores de maneira mais amigável.
1. O que está no radar do Banco Central
“Prospectivamente, o Comitê seguirá acompanhando o ritmo da atividade econômica, o repasse do câmbio para a inflação e as expectativas de inflação, que se mantêm desancoradas...”
O tripé atual de vigilância do BC é formado por:
A atividade econômica, sobretudo o setor de serviços, que tem grande inércia inflacionária, ou seja, uma propensão muito grande dos formadores de preço a sistematicamente elevarem seus preços;
A taxa de câmbio, cuja volatilidade recente elevou o risco de repasses abruptos aos preços, afinal, se o dólar sobe, tudo o que possui insumos em dólar fica mais caro;
E, mais profundamente, as expectativas de inflação, que, mesmo em horizontes longos, seguem acima da meta.
O problema da expectativa desancorada não é apenas técnico, é também institucional.
Veja bem… quando os agentes econômicos duvidam do compromisso de um país com a estabilidade, o custo da credibilidade aumenta, ou seja, mais altos são os juros necessários para convencer as pessoas de que isso ajudará a trazer a inflação para meta.
Pense em economias avançadas: os BCs de economias avançadas (como EUA, Japão e Europa) não precisam de juros muito altos para manter a inflação baixa.
Por outro lado, vemos países emergentes como Turquia e Argentina com juros elevadíssimos não tendo sucesso em domar o nível da inflação.
Na Argentina até podemos dizer que a inflação cedeu bastante, mas segue em níveis bastante elevados.
Isso funciona como um prêmio de risco que esses países precisam oferecer, o que se materializa em juros mais altos, câmbio mais fraco e crescimento mais caro.
Aqui no Brasil, o BCB sabe disso e, por isso, elevou novamente os juros.
2. O que favorece a convergência da inflação para a meta
“A inflação de bens industrializados [...] continuou a se arrefecer [...]. Os preços de alimentos também apresentaram uma dinâmica um pouco mais fraca do que era esperado.”
Entre os pontos que ajudam no processo desinflacionário, o Copom mencionou o arrefecimento nos preços de bens industriais, com destaque para preços no atacado; a dinâmica um pouco mais benigna nos preços de alimentos, que compõem parcela relevante do IPCA e também os Indícios iniciais de que o crédito começa a desacelerar e o consumo dá sinais de moderação.
No entanto, não se deve confundir um alívio temporário com uma tendência sólida.
O Copom não está reagindo a um IPCA pontual, mas ao conjunto de forças que determinam a inflação adiante (e essas forças, por ora, seguem pressionadas).
3. O que está jogando contra essa convergência da inflação para meta
“Os núcleos de inflação têm se mantido acima do valor compatível com o atingimento da meta há meses [...] pressionada pela demanda.”
“O mercado de trabalho tem dado bastante suporte ao consumo e à renda.”
Há quatro vetores centrais de preocupação:
Núcleos de inflação elevados e persistentes, o que evidencia uma pressão difusa, difícil de ser revertida rapidamente;
Inflação de serviços ainda incompatível com a meta, reflexo de uma economia que opera acima do seu potencial ou em outras palavras, crescendo a um ritmo acima do sustentável;
Mercado de trabalho aquecido, com geração líquida de empregos e rendimentos ainda robustos, o que sugere mais pressão sobre consumo e preços nos serviços;
E, novamente, as expectativas desancoradas, que distorcem as decisões de consumo, investimento e formação de preços.
Quando a inflação deriva da demanda (pessoas com mais vontade e capacidade de consumir) — e não apenas de choques de oferta (um exemplo é elevação dno preço do petróleo) — é preciso aceitar uma situação desconfortável: ou se esfria a economia, ou a inflação segue alta.
O BC optou pela primeira via, mesmo ao custo de um crescimento mais contido.
4. Próximos passos do BC
“O Comitê antecipa uma interrupção no ciclo de alta de juros para examinar os impactos acumulados do ajuste já realizado [...].”
Aqui está o ponto mais delicado do momento.
O BC elevou os juros, mas sinalizou uma pausa nos 15%.
Isso não é incoerência com discurso, mas sim um ato de prudência.
Trata-se de um reconhecimento de que a política monetária possui defasagens, ou seja, há um intervalo entre o remédio e o efeito. O Copom, agora, entra numa fase de “vigilância”, termo que eles mesmos utilizam.
O recado é: o aperto está feito, mas o Copom não hesitará em apertar ainda mais se necessário. É como um médico que espera algumas horas para ver como o paciente reage à dose de medicação aplicada até aqui.
Se o fiscal continuar hostil, se a inflação não ceder, se o câmbio escapar, o juro PODE voltar a subir.
5. Haverá queda de juros?
Sobre esse tema, a ata não dá pistas precisas, mas apenas que:
“Exige-se uma restrição monetária maior e por mais tempo.”
A queda da Selic não depende apenas dos dados correntes, mas da restauração da confiança no futuro. Isso significa: expectativas de inflação ancoradas, em linha com a meta; redução estrutural na inflação de serviços e nos núcleos; clareza e responsabilidade no plano fiscal.
Em um cenário de expectativas desancoradas (onde os empresários e consumidores, na média, acreditam em mais inflação na frente), os juros funcionam como uma barreira. O recado é: se precisar desaquecer a economia até o ponto das pessoas sequer cogitarem que é possível mais altas de preços no futuro, nós vamos.
6. Do que depende o início desse ciclo de queda de juros?
“O Comitê evidenciou [...] a necessidade de políticas fiscal e monetária harmoniosas.”
Hoje, a política monetária é um pé no freio da economia. A política fiscal, por sua vez, está com um pé no acelerador. Acaba que os efeitos se compensam: o governo não consegue que o país deslanche via estímulos fiscais e o BC não consegue arrefecer a economia para que o nível de preços suba de forma mais suave.
Quando o BC pede harmonia de políticas, ele fala que os juros poderiam ser um pouco menores se a política fiscal não fosse tão estimulativa.
Se é preciso desacelerar um pouco a economia para “parar de sair fumaça”, o custo seria menor se cada um fizesse um pouco desse trabalho.
Sem um ajuste fiscal realista e crível, que mostre contenção de gastos e respeito ao arcabouço, a política monetária seguirá apertada e, ainda assim, com pouca potência.
Leitura Final
O Banco Central está correto em manter uma postura dura. O cenário global é hostil, o ambiente doméstico é ruidoso, e o arcabouço fiscal, embora existente, parece possuir mais exceções do que regras.
Como o próprio BC diz: “O debate mais recente, com ênfase na dimensão estrutural do orçamento fiscal e na redução ao longo do tempo de gastos tributários, tem potencial de afetar a percepção sobre a sustentabilidade da dívida e de ter impactos sobre o prêmio da curva de juros”.
O Copom não parece disposto a experimentalismos.
Em uma economia com histórico de inflação e indexação alta, a credibilidade é um bem precioso e, na mesma medida, frágil. Se o governo federal não sinalizar de forma clara e duradoura que respeita o equilíbrio fiscal (tanto na via de arrecadação como na dos gastos), os juros permanecerão altos (não por desejo, mas por necessidade).
O BC, neste momento, cumpre seu papel institucional de ser o guardião da moeda.
O juro vai cair em algum momento, acredita-se que no primeiro trimestre de 2026. Vamos aguardar os próximos passos.
Qualquer dúvida sobre o tema, me avisem aqui no substack, respondam o meu email o mandem mensagem no instagram em @martin.economista.
Um beijo no coração de cada um de vocês.