O péssimo trailer de um belo filme: o Brasil bombou no 1º semestre
O Ibovespa subiu 15,44% entre janeiro e junho, superando quase todas as demais classes de ativos. O dólar caiu, passando de mais de R$ 6,20 para R$ 5,42. O que explica isso?
Se alguém tivesse adormecido em 31 de dezembro e acordado agora, no começo de julho, e olhasse apenas para os números de mercado, provavelmente diria que o Brasil trilhou caminhos mais serenos do que o normal ao longo do semestre.
O Ibovespa subiu 15,44% entre janeiro e junho, superando praticamente todas as demais classes de ativos. O dólar caiu, passando de mais de R$ 6,20 nos piores momentos para cerca de R$ 5,42. E a inflação, que preocupava no início do ano, passou a ser revisada para baixo, tanto pelo Focus quanto pelas principais casas de análise.
Mas quem viveu o semestre em tempo real sabe que a narrativa foi bem diferente. Todo show de horror contido no trailer de 2025 de fato esteve no filme do período. O que ninguém esperava é que o filme seria surpreendentemente bom apesar de todos os pesares.
O início de 2025 foi carregado de ceticismo. A inflação parecia voltar a incomodar. O governo tensionava suas relações com o Congresso em sucessivas tentativas de elevar tributos. O mercado questionava a sustentabilidade fiscal, enquanto o Banco Central, pressionado de todos os lados, se via obrigado a manter uma política monetária apertada diante de uma transição de presidentes. Foi um primeiro semestre ruidoso, tenso, em alguns momentos até disfuncional. Ainda assim, o resultado dos ativos surpreendeu positivamente.
A pergunta é: o que explica esse descompasso entre narrativa e performance?
Para o artigo de hoje, separamos por partes as razões pelas quais o Brasil logrou um belo 1º semestre.
Política: um governo apertando botões de pânico
Boa parte do pessimismo inicial tinha origem no campo político. O governo iniciou o ano operando como se ainda estivesse em campanha, dobrando a aposta em medidas impopulares junto ao Congresso para tentar viabilizar suas metas fiscais. O episódio mais emblemático foi o do IOF: após o Congresso derrubar o decreto que aumentava o tributo, o Planalto resolveu judicializar o caso no STF. Em vez de negociar com a base, acionou a Suprema Corte. O resultado foi o agravamento da crise institucional.
Além disso, o Executivo não conseguiu construir uma base sólida de apoio. Faltou articulação. Cada votação virou uma negociação caso a caso. E isso teve um custo. A Câmara, sob nova liderança, passou a atuar como contraponto ao Executivo. Nos bastidores, os parlamentares falam em impor limites à “sanha arrecadatória” do governo, que parece mais preocupado em arrecadar do que em cortar gastos. O Planalto, por sua vez, insiste em uma retórica de confronto, algo que já mostrou ter pouca aderência no eleitorado mais amplo.
Com isso, medidas importantes acabaram ficando pelo caminho. O projeto de isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil foi adiado. A regulamentação da reforma tributária também. E o ambiente político, ao final do semestre, parecia ainda mais fragmentado do que no início.
Fiscal: mais receitas, poucos cortes e um superávit magro
No plano fiscal, a tentativa de entregar um superávit primário de 0,25% do PIB em 2026 continua parecendo ambiciosa demais, mesmo com todas as manobras. O governo ainda conta com a arrecadação adicional do IOF, com cortes em benefícios tributários e com a taxação de apostas e aplicações financeiras. Mas nenhum desses movimentos é trivial no Congresso.
A boa notícia é que, para 2025, o governo deve atingir o limite inferior da meta, de déficit zero, mesmo sem a reoneração do IOF. O problema é o ano que vem. Os riscos são crescentes, especialmente no que diz respeito ao cumprimento do limite de despesas. Bem ou mal, hoje o setor público está rodando com um pequeno superávit primário nos últimos 12 meses e a dívida pública roda na casa de 76% do PIB.
Não dá para dizer que são números bons, mas são certamente melhores do que a maioria dos prognósticos. Seria absolutamente exagerado dizer que estamos flertando com o abismo.
Inflação e câmbio: o real salvou o IPCA
Se a inflação surpreendeu positivamente ao longo do semestre, boa parte disso se deve à taxa de câmbio. O real valorizou cerca de 12% no primeiro semestre, muito em função do enfraquecimento global do dólar. Segundo o Financial Times, o dólar teve seu pior início de primeiro semestre desde 1973, muito em função do descrédito do mercado em relação às políticas comerciais e fiscais de Trump e sua equipe econômica.
Trazendo alguns detalhes qualitativos, o real mais forte gerou um impacto direto sobre os preços de bens industrializados e alimentos. As simulações mais recentes indicam que, para cada 10% de apreciação cambial, o IPCA tende a cair cerca de 0,62 ponto percentual nos bens industriais e 1,32 p.p. nos alimentos. Com isso, o IPCA projetado para 2025 foi sendo revisto mês após mês: de 6,1% para 5,5%, depois para 5,0% e agora, em algumas casas, já se fala em 4,7%.
O limite superior do intervalo da meta é de 4,5%.
A força do real, no entanto, tem data de validade. Caso o cenário externo mude, ou o Fed decepcione com os cortes de juros, ou ainda a crise política local se agrave, a tendência pode se reverter. Mesmo assim, o impacto dessa apreciação no primeiro semestre foi crucial para dar fôlego à política monetária e evitar novas altas da Selic, que deve estacionar por alguns meses nos 15%.
Selic: parada tática ou pico do ciclo?
A taxa Selic chegou a 15% na última reunião do Copom do primeiro semestre. E essa decisão, embora incômoda para parte da sociedade, parece ter se mostrado acertada. A política monetária atuou como um dos poucos pontos de estabilidade no meio da confusão fiscal e política.
O Banco Central, que havia sido alvo de ataques no início do ano, ganhou espaço e confiança conforme a inflação recuava. A expectativa agora é de que os cortes comecem em janeiro ou março de 2026. Algumas casas já antecipam esse corte para dezembro desse ano.
Contas externas: déficit externo maior, mas bem coberto por novos investimentos que vem de fora
Mesmo com um déficit em conta corrente que dobrou no ano passado (de 1,4% para 3,0% do PIB), o balanço de pagamentos brasileiro se mostrou robusto no primeiro semestre de 2025. O Investimento Direto no País (IDP) seguiu forte, com projeções de US$ 70 bilhões para o ano, praticamente cobrindo o déficit externo.
A balança comercial sofreu com o aumento das importações e a lentidão nas exportações, mas a expectativa é de melhora no segundo semestre, sobretudo com a normalização dos embarques agrícolas.
O superávit comercial, embora menor que o de 2023, ainda está em patamares historicamente elevados. Os riscos permanecem, especialmente no preço das commodities e na demanda chinesa, mas, até aqui, o quadro é administrável.
Bolsa: o patinho feio virou um belo cisne
Por fim, a performance da Bolsa. O Ibovespa subiu mais de 15% em seis meses. E, curiosamente, essa alta se deu apesar de tudo o que foi descrito até aqui. Em um semestre marcado por tensão institucional, estagnação de reformas e ruídos políticos constantes, o mercado acionário brasileiro teve sua melhor performance em anos.
É claro que essa alta reflete uma combinação de fatores: real valorizado, inflação em queda, expectativas de juros futuros mais baixos e preços descontados no início do ano. Mas ela também mostra que, muitas vezes, os ativos reagem não ao que acontece, mas ao que deixa de acontecer. O cenário de desastre que muitos previam não se concretizou. E isso, por si só, já foi suficiente para tirar os preços do chão.
Somado a isso, as empresas listadas vão muito bem, obrigado.
Olhando adiante: o que o mercado está pensando sobre o ciclo político ano que vem?
Olhando para o segundo semestre e, especialmente, para 2026, a tese mais relevante é a possibilidade de inflexão do ciclo político. As pesquisas mostram Lula com dificuldade de reeleição. O nome de Tarcísio ganha força, e o centro político, que foi decisivo em 2022 para vitória de Lula, tende a migrar para uma agenda mais à direita e que carregue um discurso de austeridade.
Caso essa virada se confirme, a assimetria para ativos de risco é positiva: ativos que estão baratos hoje podem se reprecificar com força, dado que a perspectiva de um governo mais pró-mercado sugira um quadro fiscal mais austero, que resultaria em uma menor necessidade de juros altos. A queda de juros, por sua vez, seria a grande impulsionadora dos ativos listados em bolsa.
“Mas Martin, se você estiver certo, não é melhor deixar para investir na bolsa depois da eleição?”.
Não.
O mercado antecipa os movimentos e é muito habilidoso em incorporar no preço de hoje eventos que estão na frente.
No dia em que o próximo presidente estiver eleito, a alta já pode ter acontecido. Se essa virada for o seu cenário base, o momento de se posicionar é agora, e não às vésperas da eleição.
Se você acredita que o governo atual terá continuidade, seja com Lula ou outro substituto, a decisão depende de qual cenário você projeta: um governo dobrando a aposta na estratégia atual tende a prolongar o cenário de juro alto e pode até sugerir uma nova desvalorização do real.
Mas se você acha que teremos um “Lulinha Paz e Amor” ou governo Haddad com seu discurso mais polido e flexível, você também deveria se posicionar em ativos de risco desde já.
O primeiro semestre foi, em resumo, um daqueles episódios em que o enredo parecia apontar para o desastre, mas o desfecho foi surpreendentemente positivo. O investidor que resistiu à tentação de sair correndo, que aguentou a volatilidade e soube manter o foco nos fundamentos, foi recompensado.
O desafio, agora, é seguir com a mesma serenidade. Os ruídos vão continuar. A eleição vai se aproximar. As incertezas vão crescer. Mas, como vimos nesses últimos seis meses, muitas vezes os mercados premiam justamente quem sabe filtrar o que importa e ignorar o barulho.