Saiu barato para o Brasil, mas seguimos de olhos bem abertos
O cenário internacional entrou em uma espiral de incertezas. A guerra comercial entre EUA e China, reacendida com força pelas tarifas agressivas de Trump, voltou a ser o centro das atenções globais.
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Tudo está ficando estranho.
No momento, navegamos pelo desconhecido.
Fora das análises mais óbvias sobre a situação, algo me chama atenção: o comportamento dos Treasuries — os títulos do Tesouro americano — está desafiando todas as narrativas que conhecíamos. Já falarei mais sobre…
E, em meio a esse maremoto, nós aqui no Brasil seguimos tentando manter a cabeça fora d’água.
Mas por quanto tempo?
Veremos…
Trump, tarifas e um mundo mais instável
O “Liberation Day” de Donald Trump, quando o presidente americano anunciou tarifas de até 145% sobre produtos chineses, pode ser lembrado no futuro como o ponto de virada do atual ciclo econômico global.
O que começou como uma promessa de campanha virou um tarifaço que bagunçou as cadeias produtivas, desancorou expectativas e gerou uma onda de retaliações.
A China respondeu com tarifas de 125% e bloqueios a mais de 70 empresas americanas.
A União Europeia ensaiou uma reação, mas preferiu aguardar, postergando suas próprias tarifas por 90 dias na esperança de uma solução negociada.
O problema é que ninguém acredita mais que exista um plano coordenado.
Até mesmo a tentativa da Casa Branca de ceder em alguns pontos — como as isenções temporárias para eletrônicos e o setor automotivo — soou mais como um improviso do que como parte de uma estratégia bem desenhada.
O resultado é um mundo mais volátil, com fluxos de capitais se reorganizando.
O dólar, tradicional porto seguro em tempos de crise, passou a se desvalorizar.
E, num movimento inédito, até mesmo os Treasuries, considerados os ativos mais seguros do planeta, passaram a ser rejeitados.
O yield (juro oferecido do governo aos compradores dos títulos) dos títulos de 10 anos saltou para 4,50%, frustrando quem acreditava que o “flight to quality” garantiria valorização da renda fixa americana.
No lugar disso, emergiu uma nova narrativa: o tal acrônimo BIG — Bonds, International and Gold — perdeu o B.
Agora, talvez só reste o ouro como grande hedge global.
O Brasil vai bem? Ou apenas não está indo mal?
Em meio a essa confusão toda, o Brasil até parece um ponto de equilíbrio.
O Ibovespa voltou a subir. O real se valorizou.
A curva de juros deu uma recuada.
Mas é preciso cautela: esses movimentos estão sendo ditados muito mais por fatores externos do que por fundamentos internos.
A inflação medida pelo IPCA, por exemplo, registrou em março a maior taxa desde fevereiro de 2023: 5,48% no acumulado em 12 meses.
O número veio um pouco acima do esperado, puxado por alimentos, serviços e, com destaque especial, pelos bens industrializados.
A inflação de serviços, aliás, continua elevada, próxima de 7% nos últimos três meses — um sinal claro de que a economia doméstica segue aquecida.
Isso coloca o Banco Central numa posição delicada.
A Selic já está em 14,25%, com expectativa de chegar a 15,50% até junho.
A política monetária continua apertada, e com razão.
O problema é que, enquanto o BC pisa no freio, o governo federal pisa no acelerador.
Hoje, o Brasil é um Fiat Uno motor 1.0 a 180 km/h em uma estrada esburacada.
Anda rápido, mas treme, faz muito barulho e faz fumaça. Não dá para sustentar esse ritmo por muito mais tempo.
Orçamento imaginativo, fiscal fantasioso
Enquanto isso, o orçamento de 2026 enviado ao Congresso propõe um superávit primário de 0,25% do PIB.
A proposta, para dizer o mínimo, exige uma certa fé.
Estamos falando do mesmo governo que prevê pagar R$ 115 bilhões em precatórios em 2026, dos quais uma parte crescente está fora do arcabouço fiscal.
Só para 2025, são R$ 102,3 bilhões — sendo R$ 52,7 bilhões “extra-teto”.
Além disso, a pressão por ampliação de gastos continua.
A isenção do Imposto de Renda, por exemplo, deve ter um impacto bilionário, ainda sem contrapartidas claras.
E o governo sinaliza estímulos adicionais, como FGTS liberado, crédito consignado facilitado, ampliação do Minha Casa Minha Vida e outros pacotes de incentivo ao consumo.
O resultado é um ambiente macro com forças opostas: O Banco Central tentando conter a inflação com juros altos e o Executivo tentando manter a economia aquecida com gasto público.
Esse descompasso joga pressão sobre a inflação, a taxa de câmbio e as expectativas dos agentes econômicos.
Por ora, o Brasil está se beneficiando do alívio cambial vindo de fora.
A desvalorização do dólar globalmente tem suavizado os impactos internos da guerra comercial, e os preços das commodities recuaram nas últimas semanas.
Mas isso não dura para sempre.
E o risco fiscal segue como um elefante na sala.
Expectativas desancoradas: o novo normal?
A mediana das projeções para o IPCA de 2025 está em 5,65%.
Para 2026, em 4,50%. E para 2027, em 4,00%.
Em nenhuma dessas janelas o mercado espera que a inflação volte para o centro da meta (3%).
Já são três semanas seguidas com essas projeções paradas — o que, por si só, é preocupante.
A desancoragem das expectativas se tornou persistente.
Essa persistência gera um dilema para o Banco Central: como recuperar a credibilidade sem apertar ainda mais a política monetária?
A resposta parcial é manter a Selic em 15% ou um pouco mais por um tempo prolongado.
Mas o cenário atual é de deterioração estrutural.
Não bastasse a inflação corrente, a inflação futura virou um problema.
A indexação de preços a contratos passados, a elevação das expectativas e o descontrole fiscal em câmera lenta ameaçam jogar por terra o esforço de estabilização iniciado lá atrás, com a autonomia formal do BC.
O Brasil pode se beneficiar do caos — se não capotar na reta
Paradoxalmente, esse cenário caótico, como já dito aqui, abre uma janela de oportunidade.
A fuga de capitais dos EUA e o enfraquecimento do excepcionalismo americano podem redirecionar parte dos fluxos para emergentes.
A China tenta costurar alianças no sudeste asiático.
Xi Jinping fez um giro diplomático pela região, selando acordos bilaterais em temas como inteligência artificial, agricultura e comércio.
A União Europeia também se mostra desconfortável com o protecionismo trumpista, e pode buscar novas pontes com países que ofereçam previsibilidade e racionalidade.
O Brasil, nesse contexto, poderia ser um porto de estabilidade.
Uma nação emergente com mercado consumidor relevante, reservas internacionais robustas, e com uma matriz energética limpa e diversificada.
Poderia atrair investimentos produtivos, se posicionar como alternativa viável na reorganização das cadeias globais e usar o atual ciclo de desvalorização do dólar a seu favor.
Mas isso exige política econômica consistente, responsabilidade fiscal, respeito a contratos, segurança jurídica e estabilidade institucional.
Sem isso, todo o potencial se esvai.
A hora é de agir com seriedade. Se o Brasil não aproveitar essa janela, outros países aproveitarão.
Um beijo no coração de cada um de vocês.
Martin Kirsten
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