Super Quarta, super juros a 15% e o inevitável ajuste
Como a decisão do BC impacta a economia, os seus investimentos e porque só um ajuste fiscal vai permitir que o BC volte a baixar juros
A chamada "Super Quarta" desta semana trouxe um recado claro sobre os dilemas tanto da economia brasileira quanto americana.
O Federal Reserve manteve os juros parados, e o Banco Central brasileiro decidiu por mais uma alta. A Selic agora está em 15% ao ano. Sim: quinze. É o maior patamar dos últimos 19 anos.
Nos Estados Unidos, a decisão unânime do FOMC manteve a taxa na faixa entre 4,25% e 4,5%.
O cenário por lá segue desafiador: inflação ainda resistente, crescimento em desaceleração e o impacto prolongado das novas tarifas comerciais impostas pelo governo Trump.
Embora ainda se espere ao menos um corte de juros neste ano, as autoridades reduziram a projeção para os anos seguintes, com apenas 0,25 ponto de queda previsto tanto para 2026 quanto para 2027.
Ou seja, o processo de normalização da política monetária norte-americana será lento e cada vez mais sensível à geopolítica.
Já aqui no Brasil, apertamos ainda mais os cintos.
A elevação de 0,25 p.p. na Selic veio embalada por um diagnóstico claro do Copom: atividade ainda resiliente, inflação resistente, expectativas desancoradas e um ambiente fiscal marcado por incertezas crescentes.
O comunicado foi direto: o plano agora é parar de subir, mas manter a taxa onde está por “período bastante prolongado”.
Um tempo longo o suficiente para tentar trazer a inflação de volta à meta, que, vale lembrar, ainda parece distante no horizonte.
A mensagem do Banco Central é clara: enquanto não houver melhora nas expectativas, e enquanto a política fiscal seguir produzindo incertezas, os juros vão permanecer nesse patamar altamente contracionista.
E aqui vale abrir um parêntese importante: nenhum país sério consegue sustentar 15% de juro por muito tempo.
Isso significaria travar o crescimento, desestimular investimentos e sangrar as contas públicas.
A dívida do governo vai ficando cada vez mais cara, e os recursos que poderiam ser usados para investir, expandir serviços ou estimular a economia são devorados pelo pagamento de juros.
Portanto, o caminho para sairmos desse enrosco não está mais em elevar ou cortar a Selic, mas em ajustar as contas públicas com seriedade, previsibilidade e convicção.
Cedo ou tarde, esse ajuste vai se impor. Não por desejo ideológico, nem por pressão de mercado, mas por pura necessidade matemática.
O orçamento não fecha, corremos risco de uma paralisação das atividades do setor público. Os gastos obrigatórios crescem em uma magnitude que cedo ou tarde ocuparão todo espaço orçamentário.
Se o Brasil não recuperar a confiança na trajetória fiscal, não há como ancorar expectativas de inflação e permitir um juro mais baixo.
A boa notícia é que, quando o mercado começar a enxergar esse ajuste como inevitável, seja porque o governo decidiu fazê-lo, seja porque a política impôs, seja por uma mudança de governo em 2026, o alívio nos juros virá. E rápido.
As taxas futuras de juros vão começar a ceder, os ativos locais vão respirar, e a Bolsa brasileira pode andar forte por uma razão simples: estamos hoje entre os mercados mais descontados do mundo e muito sub-alocados.
Os valuations da nossa Bolsa estão deprimidos, a posição técnica é leve (não há vendedores marginais de ativos brasileiros), os fluxos estão fracos.
Basta uma fagulha de racionalidade fiscal e uma janela de distensão no risco-país para tudo mudar. E quem estiver posicionado antes dessa mudança poderá colher os frutos.
Enquanto isso, o cenário global coloca o Brasil em uma posição de destaque relativo.
Com a guerra no Oriente Médio e as novas tarifas dos EUA, não houve corrida por dólares ou por Treasuries. O ouro se fortaleceu como ativo de proteção, e parte do capital global começou a olhar para outras geografias com novos olhos.
A América do Sul aparece nesse cenário como uma região de neutralidade geopolítica, valuations atrativos e, em alguns casos, expectativa de alternância política que favoreça um ciclo mais pró-mercado.
É claro que isso ainda é uma tendência incipiente.
Mas a simples ideia de que o capital internacional esteja buscando abrigo em países com fundamentos mais saudáveis reforça a oportunidade que o Brasil pode oferecer, desde que arrume a casa.
E arrumar a casa passa também por decisões difíceis.
A mais recente delas foi anunciada via Medida Provisória: o fim das isenções de IR para instrumentos como LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures incentivadas. A nova regra prevê uma alíquota de 5% para papéis emitidos a partir de 2026. A mudança corrige uma distorção histórica, que isentava alguns instrumentos e, com isso, tornava o crédito mais caro para todo o resto, inclusive o Tesouro Nacional.
O secretário Marcos Pinto foi direto ao ponto: “Quem paga a conta dos títulos isentos são as outras empresas, que estão se financiando mais caro”.
Segundo ele, a isenção ajudou a concentrar quase R$ 2 trilhões nesses papéis, deslocando recursos da Bolsa e pressionando a curva de juros.
O diagnóstico é correto. O problema reside na forma como o governo comunica suas decisões, que, muitas vezes, mina a eficácia das medidas.
Em vez de apresentar a mudança como parte de uma estratégia de longo prazo para racionalizar o sistema tributário, o tom parece de urgência arrecadatória.
Soa como o apertar de um botão de pânico, indicando improviso, não convicção.
Tudo isso reforça a ideia de que o governo não tem um plano consistente, apenas respostas reativas.
A economia brasileira já provou, várias vezes, que responde rápido a boas sinalizações e o próprio presidente Lula já viu isso em seus governos anteriores.
A questão agora é saber quando o recado será dado. E quem estará pronto para escutar.
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Até semana que vem.
Um beijo no coração de cada um de vocês.