Tarifas, retaliações e caos global: o preço do “Dia da Libertação” de Trump
Como promessas de campanha se tornaram uma guerra comercial real – e o que isso significa para o mundo, para o Brasil e para a própria economia americana.
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Vamos falar um pouco de todo esse rebuliço no mercado.
Vamos tentar começar do início, desde as promessas de campanha de Donald Trump.
Trump começou sua campanha presidencial de 2024 prometendo algo impactante: proteger os empregos americanos, restaurar a indústria nacional e acabar com a exploração comercial da China e da Europa.
À época, muitos viram essas promessas como retórica típica de palanque — uma reedição do discurso protecionista de seu primeiro mandato, onde ele muito mais falou do que fez de fato.
Pouca gente acreditava que ele realmente levaria tudo adiante com tanta velocidade e intensidade.
Essa história começa a ganhar desdobramentos emocionantes no dia 2 de abril de 2025.
02/04/2025 - o Libertation Day
Na última semana, Trump protagonizou o que chamou de Liberation Day — o “Dia da Libertação” comercial dos Estados Unidos.
A estética do nome já diz muito: se libertar da necessidade de importação de manufaturas chinesas.
O meio para conseguir isso foi a imposição de tarifas sobre importação desses produtos.
Tornar esse produto mais caro para o consumidor americano, supostamente deixaria o produto nacional mais atrativo para consumo em detrimento dos importados.
Uma nova leva de tarifas “recíprocas” foi anunciada, elevando a taxação média sobre importações para mais de 25%, com algumas tarifas específicas chegando a 104% sobre produtos chineses.
O argumento? Proteger o trabalhador americano.
O efeito imediato? Colapso nos mercados, reações duras de parceiros comerciais e o início de uma guerra comercial real, com repercussões globais que ainda estamos tentando medir.
Eu peço licença aqui para dizer que eu não sei o que vai acontecer e que, tão somente, estou tentando ajudar os meus dois leitores assíduos e a meia-dúzia de amigos deles a entenderem o que se passa no mundo.
Mas quem vai ser afetado com essas tarifas de Trump?
As tarifas atingem praticamente todos os parceiros comerciais dos EUA: Europa, China, Canadá, Japão, Coreia do Sul — e, sim, também o Brasil.
Trata-se do movimento protecionista mais agressivo desde a década de 1930.
Os efeitos já começaram a aparecer: o S&P 500, principal índice da bolsa americana, acumula queda de 15% no ano, o Nasdaq entrou em território de bear market e trilhões de dólares evaporaram em valor de mercado.
Até Elon Musk, aliado próximo de Trump, postou um vídeo famoso de Milton Friedman falando das vantagens das economias que dispõem de ampla abertura comercial.
Alguns títulos do Tesouro americano, tradicionalmente considerados porto seguro, estão sofrendo com vendas forçadas e perda de demanda.
O petróleo Brent caiu abaixo dos US$ 60 pela primeira vez em quatro anos.
O dólar disparou frente a moedas emergentes.
A volatilidade, medida pelo índice VIX, conhecido como “índice do medo”,voltou a patamares que não víamos desde o auge da pandemia.
O sinal para os investidores é claro: o risco sistêmico voltou a assombrar os mercados globais.
China: como reagiu o principal alvo das tarifas
A China respondeu com a contundência que se esperava de Xi Jinping.
Não apenas igualou a tarifa dos EUA com uma alíquota de 84% sobre as importações americanas, como também endureceu o tom.
“Lutaremos até o fim”, disse o Ministério do Comércio.
Pequim também anunciou restrições à exportação de metais raros, fundamentais para a indústria americana, e adicionou empresas americanas à lista de controle comercial.
A arma cambial também foi acionada: o yuan foi desvalorizado significativamente, o que por sua vez pressionou as moedas de países exportadores, como o Brasil, que viu o dólar encostar em R$ 6.
Como já vimos em outros momentos de tensão comercial, o câmbio se torna um instrumento de guerra — e os países emergentes, inevitavelmente, acabam na linha de tiro.
O Brasil, na condição de emergente, também acaba afetado.
E a Europa, terá forças para reagir?
Na União Europeia, o clima também azedou.
Enfrentando tarifas de até 25% sobre aço, alumínio e automóveis, além de uma alíquota geral de 20% para a maioria dos produtos, o bloco anunciou nesta quarta-feira o primeiro pacote de contramedidas, estimado em mais de US$ 28 bilhões.
A Comissão Europeia, liderada por Ursula von der Leyen, deixou claro que não aceitará imposições unilaterais e que está disposta a atuar de forma coordenada com outros parceiros — incluindo, curiosamente, a própria China — para frear a escalada tarifária.
E o Brasilzão, no meio de tudo isso?
Temos um efeito ruim de curto prazo e possíveis desdobramentos positivos no longo prazo.
Eu explico.
Com esse cenário se desenrolando no exterior, o Brasil se vê, mais uma vez, como passageiro da história.
Num primeiro momento, o mercado doméstico até reagiu com certo alívio ao saber que o país seria taxado em “apenas” 10% nas tarifas americanas.
Mas a realidade logo se impôs.
O Ibovespa virou para queda, o dólar rompeu temporariamente os R$ 6 e os investidores perceberam que, mais do que as tarifas em si, o que importa agora é o risco de uma recessão global.
No curto prazo, o Brasil está vulnerável.
Como grande exportador de commodities e parceiro relevante da China, qualquer desaceleração nas duas maiores economias do mundo impacta diretamente nosso saldo comercial.
Os setores de petróleo, celulose, minério e café são os primeiros a sentir.
Além disso, o país fica em posição delicada: pode ser atingido tanto pela desaceleração dos EUA quanto pela retração chinesa.
Ao mesmo tempo, pensando mais a longo prazo, existe uma brecha para nos sairmos bem de tudo isso.
Assim como no primeiro mandato de Trump, é possível ocupar espaços comerciais deixados por asiáticos nos EUA e por americanos na Ásia.
Mas isso exige pragmatismo diplomático, flexibilidade e visão estratégica.
Não é hora de retórica nem de alinhamento automático com nenhum dos lados.
É hora de recolher espólios com discrição, enquanto os gigantes brigam.
No fim das contas, o Brasil pode ampliar muitas parcerias comerciais diante dessa intensificação da desglobalização.
Nos Estados Unidos, os efeitos econômicos das tarifas já ultrapassam os limites do mercado financeiro.
A liquidez está mais restrita, os custos de financiamento subiram e o Federal Reserve está encurralado: se cortar juros, arrisca reacender a inflação.
Se mantiver o juro alto e discurso duro, pode acelerar a recessão.
O consumo, que responde por dois terços do PIB americano, ainda resiste, mas os sinais de fraqueza já começam a aparecer nas margens.
O mercado de trabalho, até aqui resiliente, também pode começar a ceder nos próximos meses.
O ponto central é que as tarifas — ao contrário do que prega a narrativa da Casa Branca — não são um motor de crescimento. São, antes, um freio.
Geram incerteza, elevam custos, desorganizam cadeias produtivas e afastam investimentos.
A tentativa de reindustrializar a economia americana via decreto e punição ignora um detalhe importante: os EUA já não possuem, em muitas indústrias, a infraestrutura, a mão de obra ou a agilidade regulatória necessárias para competir com eficiência.
O capital não volta só porque alguém grita “America First”. E mesmo que volte, pode logo sair, já que o dinheiro não aceita desaforo.
A arquitetura tarifária criada por Trump é tecnicamente inconsistente, politicamente frágil e economicamente custosa.
A credibilidade institucional dos EUA, por décadas o pilar do sistema financeiro global, está sendo corroída por decisões erráticas, improvisadas e muitas vezes ideologicamente motivadas.
E o Congresso, até aqui dividido e hesitante, começa a emitir sinais de que pode tentar barrar os excessos via mecanismos legais.
Resta saber se será a tempo.
Uma guerra comercial em larga escala está em curso.
As consequências já estão sendo sentidas — nos mercados, nas economias e na confiança global.
Por ora, seguimos atentos.
Um beijo no coração de cada um de vocês.
Me siga lá em @martin.economista.