Trump e os seus efeitos no mercado global e brasileiro
As medidas do governo Trump tem gerado volatilidade nos mercados e divide opiniões. Será o fim do excepcionalismo americano? Como as diversas promessas podem afetar os EUA, o mundo e o Brasil
Toda vez que eu sento para escrever por aqui, sei que tenho que satisfazer os anseios dos meus dois leitores assíduos.
O problema é que eles são muito diferentes de gostos, personalidade e visão de mundo.
Isso exige expor pontos e contrapontos aqui para tentar agradar ao grego e ao troiano.
Em especial o meu leitor mais arrojado, que gosta de se atirar em oportunidades e explorar mercados, ele tem me solicitado com alguma inquietude uma análise mais profunda sobre Trump, os Estados Unidos, o universo tech e o tal excepcionalismo americano.
O meu leitor mais conservador só não aguenta mais ver qualquer indício de guerra comercial se aprofundando.
É um sujeito mais calmo, cauteloso e não poucas vezes me disse que “o mundo é perigoso”.
Os últimos anos foram de excepcionalismo americano, com crescimento forte e um mercado de trabalho resiliente.
Mas sinais de fadiga começam a aparecer.
A política tarifária de Trump adiciona incerteza ao cenário, o aperto fiscal pode pesar mais do que o mercado precifica, e os valuations esticados lá fora tornam qualquer surpresa negativa um risco significativo.
E eu vou ser bem honesto: eu não sei o que vai acontecer e juro de pés juntos que jamais havia visto tanta gente diferente com opiniões opostas.
A dispersão de desdobramentos possíveis parece grande por lá.
A previsibilidade se tornou um luxo.
O cenário atual é um quebra-cabeça de peças desconexas, onde o comércio internacional, política fiscal, dinâmica do mercado de trabalho e política monetária interagem de forma caótica.
Em meio a todas essas variáveis, o que está claro é que a convicção de que nada sei, mas ainda assim tenho alguma opinião.
Vamos tentar elucidar isso em alguns tópicos.
Guerra Comercial: Tarifas, Apostas e Incerteza
As tarifas comerciais impostas por Donald Trump continuam sendo o grande motor da incerteza global.
Se há um quase consenso de que tarifas são negativas para crescimento e inflacionárias, há também o reconhecimento de que, para Trump, elas são instrumentos de negociação.
Em sua visão, tarifas são mais do que um mecanismo de proteção: são um braço de ferro para forçar concessões comerciais.
A Índia já se antecipou e foi a Washington levando na mala um pacote de redução tarifária, enquanto a Europa ainda oscila entre confronto e acordo.
O cenário pode se desenrolar de duas formas:
Apostando na escalada: Tarifas aumentam, o comércio global encolhe, PIB global desacelera, inflação americana sobe e o Fed mantém juros altos – cenário clássico de dólar forte.
Surpresa positiva: Ao invés de aumento das tarifas, há uma redução global, impulsionando o PIB mundial, suavizando o excepcionalismo americano e levando a uma possível desvalorização do dólar.
No primeiro mandato de Trump, o dólar caiu quase 12% nos primeiros 12 meses, antes de se recuperar.
Não seria irracional esperar oscilações semelhantes caso as tensões comerciais se intensifiquem.
O Impacto da Imigração na Inflação
Entre os temas mais consensuais do mercado, a relação entre imigração e inflação se destaca.
Restrições na força de trabalho pressionam salários para cima, o que tende a alimentar a inflação.
No entanto, a eficácia prática das medidas propostas é altamente questionável.
O governo Trump já prometeu controlar a imigração antes e entregou apenas 80km de muro em uma fronteira de mais de 3.500km com o México (cerca de 2% da extensão).
Entre promessas e realidade, há um abismo.
O cenário base sugere algum impacto inflacionário, mas a magnitude da influência é incerta.
Para os investidores, essa variável pode acabar sendo irrelevante no agregado, de maneira que meus dois leitores podem deixar esse assunto para discutir em um bar.
Déficit Fiscal: Corte de Gastos vs. Populismo Tributário
A promessa de Trump de cortar US$ 1 trilhão em gastos já encontra o obstáculo mais óbvio de todos: a realidade.
Cortar gastos no orçamento americano é uma tarefa hercúlea, especialmente em áreas como defesa e seguridade social.
Enquanto isso, a administração Trump busca reduzir impostos, o que adiciona mais um nó na equação fiscal.
Se Trump conseguir aprovar cortes significativos de gastos sem gerar recessão, o dólar pode se fortalecer.
Se o ajuste for desorganizado (cortando impostos sem contrapartida no corte de gastos) e resultar em perda de confiança, o cenário pode ser bem mais desafiador.
O Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), sob comando de Elon Musk, já iniciou cortes de 10 mil empregos no setor federal.
O impacto inicial foi compensado por contratações estaduais e municipais, mas a pressão fiscal pode se acentuar nos próximos meses.
O Cenário Macroeconômico e a Descompressão do Excepcionalismo Americano
O mercado precifica um corte de 50 bps (0,5 pontos percentuais) na taxa de juros pelo Federal Reserve (Fed), o Banco Central Americano, ainda esse ano.
A grande questão: há mais probabilidade de cortes adicionais de 100bps ou de manutenção dos juros? Aqui a resposta depende de fatores interligados. Vamos a eles:
Inflação: Há sinais de reaceleração em alguns índices de preços, mas dados recentes sugerem que o Fed pode adotar uma postura mais cautelosa.
Atividade Econômica: Surveys apontam um início de desaceleração na economia americana.
Competição Global: O crescimento chinês está sendo revisado para cima, e outros Bancos Centrais já começaram a cortar juros. O excepcionalismo americano pode estar diminuindo, mas o timing é incerto.
Se o Fed não cortar juros, enquanto outros Bancos Centrais reduzem suas taxas, o dólar pode se fortalecer.
Se a economia americana realmente desacelerar, os cortes podem vir mais cedo e mais intensos, gerando uma desvalorização do dólar.
Seria ótimo para o Brasil.
China: Deflação e Estímulos no Radar
A economia chinesa adiciona um elemento extra de incerteza ao cenário.
A deflação registrada em fevereiro – impulsionada pela queda nos preços de alimentos e serviços ligados ao turismo – sugere que há espaço para novos estímulos governamentais.
A meta de crescimento de 5% para 2025, combinada com um déficit fiscal projetado de 4% do PIB, indica que Pequim está disposta a sustentar a atividade econômica.
Para países exportadores de commodities, como o Brasil, um crescimento mais robusto da China pode ser um alívio importante.
E o Brasilzão no meio disso tudo?
Algumas novidades divulgadas recentemente: o PIB brasileiro cresceu 3,4% em 2024, mas o número esconde algumas fragilidades:
Consumo das famílias caiu 1% no último trimestre, evidenciando exaustão do modelo baseado em transferências de renda e reajustes do salário mínimo. Basicamente, isso quer dizer que estímulos adicionais do lado fiscal tendem apenas a gerar mais inflação e não ter o efeito esperado na atividade econômica.
Investimentos empresariais cresceram 7,3% no ano, o que é ótimo, mas isso não foi o suficiente para compensar a perda de dinamismo do consumo das famílias.
O governo tenta conter a inflação com medidas pontuais, como redução de tarifas de importação para alimentos e negociação para zerar o ICMS da cesta básica.
O impacto dessas medidas no IPCA é incerto, mas dificilmente resolverá a equação inflacionária de forma estrutural.
O Boletim Focus projeta uma inflação de 5,68% em 2025, sendo que a meta de inflação é 3% e a banda superior do intervalo de tolerância é de 4,5%.
Além da alta de 1 p.p agora em março, veremos mais aumento de juros a frente, mas ainda não sabemos o quanto e até quando.
A resposta dos mercados financeiros diante desse cenário
Ações americanas despencaram, com S&P 500 e Nasdaq 100 registrando seus piores dias desde 2022.
Fuga para ativos defensivos, como títulos do Tesouro americano, se intensificou.
O Brasil, apesar da volatilidade, atrai investidores de longo prazo, impulsionado por valuations descontados e expectativas de mudança política em 2026, dada a queda da popularidade de Lula nas últimas pesquisas de opinião.
O Risco de um Shutdown* nos EUA
O cabo de guerra no Congresso americano adiciona mais uma camada de tensão.
O impasse sobre o orçamento pode levar a um shutdown do governo federal.
A resolução apresentada pela Câmara pode manter o governo funcionando até setembro, mas depende de apoio bipartidário no Senado.
O ajuste fiscal americano não é opcional – a questão é o quão doloroso ele será.
Conclusão: O Que Está em Jogo? Onde há Oportunidades?
O jogo tarifário de Trump, a resposta fiscal dos EUA, o impacto das políticas imigratórias na inflação, a desaceleração americana, os estímulos chineses e a política monetária do Fed formam um tabuleiro dinâmico e difícil de prever desdobramentos.
Diante de tantas variáveis, tentamos sempre ficar atentos às oportunidades.
Mas onde elas surgem?
Ora, elas residem precificação exagerada de riscos.
Para todo investidor que acha que o mundo é perigoso, existe outro que acredita que tudo é passageiro e o sol irá se levantar de novo.
O maior potencial de ganhos está quando você acerta o lado e, ainda maior, quando você acerta o lado e o mercado erra.
O desafio é saber diferenciar os ruídos dos sinais e tentar entender quando o mercado está apenas exagerando – algo que, convenhamos, acontece com frequência – seja para mais, seja para menos.
Até semana que e um beijo no coração de cada um de vocês.
Ps.: semana que vem produzirei um conteúdo exclusivo para os assinantes pagos aqui da news.
*Um shutdown do governo ocorre quando o governo dos Estados Unidos não consegue aprovar um orçamento ou um projeto de lei de gastos para financiar suas operações. Isso leva à paralisação de partes do governo federal por falta de recursos. Se o Congresso não aprovar um novo orçamento ou uma medida temporária antes do fim do prazo (geralmente o final do ano fiscal em 30 de setembro), o governo fica sem autorização para gastar dinheiro em muitas áreas.